domingo, 6 de novembro de 2011

FRACASSO ESCOLAR: DE QUEM É A CULPA?

Encontrei um texto muito interessante, que fala  sobre fracasso escolar e gostaria de compartilhá-lo com vocês para que possamos fazer uma reflexão sobre o que é fracasso em um tempo onde só se valoriza o sucesso. Boa leitura e boa reflexão!





RESUMO:O fracasso escolar é hoje um grande problema para o sistema educacional. Muitas vezes, para se livrar da responsabilidade deste fracasso, busca-se um culpado; alguém que possa assumir sozinho esta situação. Este artigo vem questionar esta atitude e propõe discutir o fracasso escolar a partir de outras variáveis que também influenciam no processo de aprendizagem. A partir disso, procura-se pensar no papel do psicopedagogo com relação ao fracasso escolar. A atuação deste profissional pode servir tanto para determinar “o culpado” que se procura, ou seja, patologizar o aprendente; quanto para ampliar este foco, buscando outras variáveis que influenciam no processo de aprendizagem.

PALAVRAS-CHAVE: Fracasso escolar, aprendizagem, intervenção psicopedagógica.


O fracasso escolar aparece hoje entre os problemas de nosso sistema educacional mais estudados e discutidos. Porém, o que ocorre muitas vezes é a busca pelos culpados de tal fracasso e, a partir daí, percebe-se um jogo onde ora se culpa a criança, ora a família, ora uma determinada classe social, ora todo um sistema econômico, político e social. Mas será que existe mesmo um culpado para a não- aprendizagem? Se a aprendizagem acontece em um vínculo, se ela é um processo que ocorre entre subjetividades, nunca uma única pessoa pode ser culpada. Alicia Fernández nos lembra que “a culpa, o considerar-se culpado, em geral, está no nível imaginário” (FERNANDEZ, 1994) e coloca que o contrário da culpa é a responsabilidade. Para ser responsável por seus atos, é necessário poder sair do lugar da culpa.

Não pretendo aqui, portanto, expurgar a responsabilidade de um fracasso escolar. O propósito é discuti-lo como um elemento resultante da integração de várias “forças” que englobam o espaço institucional (a escola), o espaço das relações (vínculos do ensinante e aprendente), a família e a sociedade em geral.
Quando se fala em fracasso, supõe-se algo que deveria ser atingido. Ele é definido por um mau êxito, uma ruína. Porém mau êxito em quê? De acordo com que parâmetro? O que a nossa sociedade atual define como sucesso? Daí a necessidade de analisar o fracasso escolar de forma mais ampla, considerando-o como peça resultante de muitas variáveis.

A sociedade busca cada vez mais o êxito profissional, a competência a qualquer custo e a escola também segue esta concepção. Aqueles que não conseguem responder às exigências da instituição podem sofrer com um problema de aprendizagem. A busca incansável e imediata pela perfeição leva à rotulação daqueles que não se encaixam nos parâmetros impostos.

Assim, torna-se comum o surgimento em todas instituições educativas de “crianças problemas”, de “crianças fracassadas”, disléxicas, hiper-ativas, agressivas, etc. Esses problemas tornam-se parte da identidade da criança. Perde-se o sujeito, ele passa a ser sua dificuldade. Desta forma, ao passar pelo portão da escola, a criança assume o papel que lhe foi atribuído e tende a correspondê-lo. Porém, ao conceder este rótulo à criança, não se observa em quais circunstâncias ela apresenta tais dificuldades(ele está assim e não é assim). Isso não é apenas uma diferença terminológica, ela revela uma possibilidade de mudança.

A sociedade do êxito educa e domestica. Seus valores, mitos relativos à aprendizagem muitas vezes levam muitos ao fracasso. Em nosso sistema educacional, o conhecimento é considerado conteúdo, uma informação a ser transmitida. As atividades visam a assimilação da realidade e não possibilitam o processo de autoria do pensamento tão valorizada por Alicia Fernández. Ela define como autoria “o processo e o ato de produção de sentidos e de reconhecimento de si mesmo como protagonista ou participante de tal produção” (FERNÁNDEZ,2001 p.90). Este caráter informativo da educação se manifesta até mesmo nos livros didáticos, nos quais o aprendente é levado a memorizar conteúdos e não a pensá-los; não ocorrendo de fato uma aprendizagem.

É preciso distinguir aquilo que é próprio da criança, em termos de dificuldades, daquilo que ela reflete em termos do sistema em que se insere.
A família, por sua vez, também é responsável pela aprendizagem da criança, já que os pais são os primeiros ensinantes e as “atitudes destes frente às emergências de autoria do aprendente, se repetidas constantemente, irão determinar a modalidade de aprendizagem dos filhos”(FERNÁNDEZ,2001).

Quando se fala em “famílias possibilitadoras de aprendizagem” tem-se uma tendência a excluir as famílias de classes baixas já que estas não podem fornecer uma qualidade de vida satisfatória, uma alimentação adequada, acesso a diversas formas de cultura (cinema, teatro, cursos, computador, etc). Entretanto é possível a existência de facilitadores de autoria de pensamento mesmo convivendo com carências econômicas.

Em seu livro, “O saber em jogo”, Alicia Fernández cita uma pesquisa com famílias de classe baixa facilitadoras da aprendizagem. O que caracteriza estas famílias é a criação de um espaço favorável para que cada membro possa escolher e responsabilizar-se pelo escolhido, propiciando um espaço para a autoria de pensamento.O perguntar é possível e favorecido, há facilidade de aceitar as diferentes opiniões e idéias. Condições estas que não são comuns em famílias produtoras de problemas de aprendizagem.
Além disso, segundo Maud Mannoni, um sintoma não deve ser considerado de forma única, isolado, mas sim dentro de um contexto muito mais amplo e repleto de significados. Assim acontece com o fracasso escolar, ele pode assumir, dentro da família, uma função. Daí a necessidade de buscar o significado do “não aprender”, analisando a história de vida do sujeito e buscando uma significação das fantasias relacionadas ao ato de aprender.

Também contribuem para o fracasso escolar a própria instituição educativa que muitas vezes não leva em consideração a visão de mundo do aprendente. As discrepâncias entre o desempenho fora e dentro da escola são significativas. Ou seja, muitas vezes os profissionais da educação não conseguem transpor o conhecimento ensinando para a realidade do aprendente. Isso pode ser exemplificado no livro: “Na vida dez, na escola zero” que trata do ensino da matemática. Na escola os alunos vão mal, porém em situações naturais, cotidianas, e que necessitam de um raciocínio matemático eles vão muito bem.

Outra questão referente à escola é que esta, ao valorizar a inteligência, se esquece da interferência afetiva na não aprendizagem. O sujeito pode estar em dificuldades de aprendizagem por ter ligado este fato a uma situação de desprazer. Esta situação pode estar ligada a algum acontecimento escolar. Claparéde diz que a escola pode provocar na criança conflitos que influenciarão seu gosto pelo aprender.

APRENDIZAGEM X FRACASSO ESCOLAR: QUAL O LIMITE QUE OS SEPARA?
Ao falarmos de fracasso escolar, além de tentarmos analisar os fatores que contribuem para seu surgimento, é necessário conceituar aquilo que viria a ser seu oposto: a aprendizagem.
Já mencionamos que a aprendizagem é um processo vincular, ou seja, que se dá no vínculo entre ensinante e aprendente, ocorre portanto entre subjetividades. Para aprender, o ser humano coloca em jogo seu organismo herdado, seu corpo e sua inteligência construídos em interação e a dimensão inconsciente . A aprendizagem tem um caráter subjetivo pois o aprender implica em desejo que deve ser reconhecido pelo aprendente. “O desejar é o terreno onde se nutre a aprendizagem”. (FERNÁNDEZ, 2001).
Aprender passa pela observação do objeto, pela ação sobre ele, pelo desejo. A aprendizagem é a articulação entre saber, conhecimento e informação. Esta última é o conhecimento objetivado que pode ser transmitido, o conhecimento é o resultado de uma construção do sujeito na interação com os objetos(PIAGET) e o saber é a apropriação desses conhecimentos pelo sujeito de forma particular, própria dele, pois implica no inconsciente.

A partir disso, podemos definir aprendizagem como uma construção singular que o sujeito vai fazendo a partir de seu saber e assim ele vai transformando as informações em conhecimento, deixando sua marca como autor e vivenciando a alegria que acompanha a aprendizagem.

Este processo se difere bastante do fracasso escolar que pode evidenciar uma falha nesta relação vincular ensinante- aprendente. Alicia Fernández diferencia fracasso escolar, problema de aprendizagem e deficiência mental. Para ela no fracasso escolar “a criança não tem um problema de aprendizagem, mas eu, como docente, tenho um problema de ensinagem com ele”. (FERNANDEZ, 1994). O problema de aprendizagem pode ser um sintoma de outros conflitos ou ainda uma inibição cognitiva, e a deficiência mental tem incidência pequena na população.

A INTERVENÇÃO PSICOPEDAGÓGICA:
Considerando os fatores implicados no processo da aprendizagem, poderíamos pensar no papel de psicopedagogo com relação ao fracasso escolar.
O psicopedagogo deve buscar o que significa o aprender para esse sujeito e sua família, tentando descobrir a função do não aprender. Conhecer como se dá a circulação de conhecimento na família, qual a modalidade de aprendizagem da criança, não perdendo de vista qual o papel da escola na construção do problema de aprendizagem apresentado, tentando também engajar a família no projeto de atendimento para ampliar seu conhecimento sobre a dificuldade, modificando seu modo de pensar e de agir com relação à criança.
Alicia Fernández fala de um enfoque clínico que significa preocupar-se com os processos inconscientes e não somente com a patologia; é fazer uma escuta particular do sujeito que possibilite não só encontrar as causas do não- aprendizado mas também organizar metodologias para facilitar a aprendizagem e o desempenho escolar.

CONCLUSÃO:
No presente trabalho objetivei mostrar que não existe um único “culpado” pelo fracasso escolar. Muitas vezes a escola situa o problema do fracasso no indivíduo, considerando-o como portador de algum tipo de “desvio” ou “anormalidade.”
Assim, o “insucesso” é atribuído à debilidade das capacidades intelectuais, à cultura desviante e a outras categorias como: as dislexias (para as dificuldades de leitura), as disortografias (dificuldades em ortografia) e as discalculia (dificuldade em cálculos) que servem como rótulos. Estes levam aqueles que fracassam a tratamentos diversos em instituições especializadas e a classes especiais.
Em face da criança que fracassa, muitas vezes a escola e os profissionais da educação não levantam problemas como a estrutura da escola, a estrutura social e a inadequação dessa estrutura à situação real de vida da criança.
Daí podem surgir os motivos do fracasso escolar: uma não-aproximação e conhecimento do aluno e de suas necessidades. Principalmente se estes alunos apresentarem uma realidade diferente da realidade do ensinante.
Portanto, buscar soluções para o fracasso escolar não consiste em patologizar o aprendente mas em ampliar este foco, abrindo espaço para outras variáveis que também influenciam no processo da aprendizagem como a instituição, o método de ensino, as relações ensinante- aprendente, os aspectos sócio-culturais, a história de vida do sujeito, entre outras.

Michelle de Castro Meira
Estudante do 5º período de psicologia do INESP- Instituto de Ensino Superior de Pesquisa/UEMG- Universidade do Estado de Minas Gerais. Junho/2002 – Disciplina: Psicopedagogia

BIBLIOGRAFIA:
COELHO,Ana silva Borges figueiral. O fracasso escolar e os distúrbios de aprendizagem. Publicado pela Associação
Brasileira de dislexia. São Paulo.
FERNÁNDEZ, AliciaA mulher escondida na professora: uma leitura psicopedagógica do ser mulher, da corporeidade e 
da aprendizagem. Porto Alegre: Artes Médicas, 1994.
FERNÁNDEZ, Alicia. O saber em jogo. Porto Alegre: Artmed,2001.
CARRAHER, Terezinha; SCHLIEMANN, Ana Lúcia; CARRAHER, David. Na vida dez, na escola zero. 9º ed. S.P:
Cortez,1995.
COSTA, Dóris Anita FreireFracasso escolar: diferença ou deficiência. Porto Alegre: Kuaarup,1993.