quinta-feira, 26 de julho de 2012

Sobre perdoar...

O perdão é uma maneira de curar as nossas mágoas e feridas, é a forma de nos religarmos aos outros e a nós mesmos. O problema não é o fato da mágoa acontecer, e sim de não conseguirmos esquecê-la ou nos recusarmos a fazê-lo.
O perdão nos confere muitas coisas, inclusive a liberdade de ser novamente quem somos. Quando perdoamos aos outros ou a nós mesmos, somos devolvidos ao estado de graça.
Perdoar não significa deixar as pessoas pisarem em nós. Quando conseguimos reconhecer que as pessoas são humanas, podemos perdoá-las tomando consciência da nossa raiva. Em seguida precisamos nos livrar da energia da raiva batendo contra um travesseiro, gritando numa praia deserta, desabafando nosso sentimento com um amigo em quem confiamos ou fazendo qualquer outra coisa capaz de expulsar a raiva. Não negue esses sentimentos, experimente-os plenamente. Depois abdique deles. Quando nos desapegamos, nós encontramos a liberdade.
Com frequência, a pessoa que precisamos perdoar somos nós mesmos. Temos que nos perdoar pelo que fizemos e pelo que deixamos de fazer. Sempre que acharmos que cometemos um erro, devemos nos perdoar. Perdoar é compreender os motivos que nos levaram a cometer aquilo que percebemos como erro ou ofensa a alguém. E aprender com a experiência.
Estamos no mundo para cometer erros, para magoar acidentalmente uns aos outros, para nos sentir perdido de vez em quando. Se fossemos perfeitos, não estaríamos aqui. Fizemos o que fizemos porque somos humanos.
O perdão nos ajuda a permanecer em paz e em contato com o amor.
Elisabeth Kübler-Ross

A lição do tempo

A nossa vida é governada pelo tempo. Vivemos nele e em função dele. Além disso, morremos nele.
O tempo é uma medida útil, mas somos nós que atribuímos a ele o seu valor.
Albert Einstein salientou que o tempo não é constante, que ele tem relação com o observador.
O tempo também depende da percepção. De uma maneira tangível, o tempo das pessoas não é igual.
Com o tempo, tudo muda. Mudamos por dentro, mudamos por fora, a nossa aparência e o nosso eu interior se modificam. Apesar de a mudança ser nossa constante companheira, em geral não a consideramos nossa amiga. A mudança nos assusta porque nos sentimos incapazes de controlá-la. Preferimos as mudanças que decidimos fazer, porque fomos nós que a escolhemos.
Passar por uma mudança é dizer adeus a uma situação antiga e familiar e enfrentar uma situação nova e desconhecida. Se lutarmos contra a mudança, lutaremos a vida inteira.
Envelhecer harmoniosamente é experimentar plenamente cada dia e cada momento. Quando vivemos plenamente a nossa vida, não temos vontade de voltar atrás. Só lamentamos a vida vivida pela metade. E viver plenamente não é realizar grandes feitos, mas ser capaz de usufruir o mais possível a cada experiência que nos é oferecida.
A realidade do tempo é que não podemos ter qualquer certeza do passado. Não sabemos se ele realmente aconteceu do jeito que lembramos. E, certamente, não conhecemos o futuro. Na verdade, nem mesmo sabemos se o tempo é linear.
Será que isto tem importância?
Nunca é demais repetir: o nosso grande e difícil desafio é viver plenamente o momento presente. Saber que este exato instante contém todas as possibilidades de felicidade e amor, e não perdê-lo por estarmos presos ao passado ou antevendo o que o futuro nos reserva. Ao colocar de lado o sentimento de expectativa, podemos viver no espaço sagrado do que está acontecendo agora.

Elisabeth Kübler-Ross - Os segredos da vida

domingo, 15 de abril de 2012

A polêmica da internação compulsória

Medida sugerida como política pública para usuários de crack provoca discussões; aqueles que discordam citam abusos e ineficácia do procedimento
por Luiz Loccoman
http://www2.uol.com.br/vivermente/img/px_branco.gif

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Drogas como o crack agem de maneira tão agressiva no corpo do usuário que não permitem que ele entenda a gravidade de sua situação e o quanto seu comportamento pode ser nocivo para ele mesmo e para os outros. Foi com base nessa ideia que o deputado federal Eduardo Da Fonte (PP-PE) apresentou em março deste ano uma proposta de política pública que prevê a internação compulsória temporária de dependentes químicos segundo indicação médica após o paciente passar por avaliação com profissionais da saúde. A internação contra a vontade do paciente está prevista no Código Civil desde 2001, pela Lei da Reforma Psiquiátrica 10.216, mas a novidade agora é que o procedimento seja adotado não caso a caso, mas como uma política de saúde pública – o que vem causando polêmica. ^


Aqueles que se colocam a favor do projeto argumentam que um em cada dois dependentes químicos apresenta algum transtorno mental, sendo o mais comum a depressão. A base são estudos americanos como o do Instituto Nacional de Saúde Mental (NIMH, na sigla em inglês), de 2005. Mas vários médicos, psicólogos e instituições como os Conselhos Regionais de Psicologia (CRPs), contrários à solução, contestam esses dados.

 Os defensores da internação compulsória afirmam que o consumo de drogas aumentou no país inteiro e são poucos os resultados das ações de prevenção ao uso. A proposta tem o apoio do ministro da Saúde Alexandre Padilha, que acredita que profissionais da saúde poderão avaliar adultos e crianças dependentes químicos para colocá-los em unidades adequadas de tratamento, mesmo contra a vontade dessas pessoas. O ministro acrescenta que a medida já é praticada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). O Conselho Federal de Medicina (CFM) também é a favor da medida. Durante a reunião de apresentação do relatório de políticas sociais para dependentes de drogas, o representante do CFM Emmanuel Fortes corroborou a proposta de internação compulsória nos casos em que há risco de morte, ressaltando que a medida já é praticada no país.

 De fato, de acordo com Relatório da 4a Inspeção Nacional de Direitos Humanos (que pode ser consultado pelo site http://www.pol.org.br/pol/cms/pol/publicacoes/relatorios/120123_001.html), apesar de a lei no 10.216 prever a internação compulsória como medida a ser adotada por um juiz, o que se vê na prática com os usuários de álcool e outras drogas contraria a lei, pois introduz a aplicação de medida fora do processo judicial. Maus-tratos, violência física e humilhações são constantes nessas situações. Há registros de tortura física e psicológica e relatos de casos de internos enterrados até o pescoço, obrigados a beber água de vaso sanitário por haver desobedecido a uma norma ou, ainda, recebendo refeições preparadas com alimentos estragados.

 DE TRÊS FORMAS
 Atualmente estão previstos três tipos de internação: voluntária, involuntária e compulsória. A primeira pode ocorrer quando o tratamento intensivo é imprescindível e, nesse caso, a pessoa aceita ser conduzida ao hospital geral por um período de curta duração. A decisão é tomada de acordo com a vontade do paciente. No caso da involuntária, ela é mais frequente em caso de surto ou agressividade exagerada, quando o paciente precisa ser contido, às vezes até com camisa de força. Nas duas situações é obrigatório o laudo médico corroborando a solicitação, que pode ser feita pela família ou por uma instituição. Há ainda a internação compulsória, que tem como diferencial a avaliação de um juiz, usada nos casos em que a pessoa esteja correndo risco de morte devido ao uso de drogas ou de transtornos mentais. Essa ação, usada como último  recurso, ocorre mesmo contra a vontade do paciente.

 CASO A CASO
 Para a secretária adjunta Paulina do Carmo Duarte, da Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad), o discurso que circula sobre epidemia do crack não está de acordo com a realidade. “Há no imaginário popular a ideia equivocada de que o Brasil está tomado pelo crack, mas o que existe é o uso em pontos específicos que pode ser combatido com atendimento na rua, não com abordagem higienista, com o mero recolhimento de usuários.” Dados do Observatório Brasileiro de Informações sobre Drogas (Obid) revelam que 12% dos paulistanos são dependentes de álcool e apenas 0,05% usa crack. A psicóloga Marília Capponi, conselheira e representante do Conselho Regional de Psicologia de São Paulo (CRP-SP), aponta que, apesar dos dados, o crack tem sido tratado como epidemia em todo o território nacional nos últimos anos, e com isso tem sido disseminada a necessidade de uma resposta emergencial para resolver a questão, o que referenda a internação compulsória. Marília, que também é cordenadora de um Centro de Atenção Psicossocial (Caps), argumenta, porém, que essa é uma propaganda falaciosa. Estudos desenvolvidos em centros de pesquisa de várias partes do mundo mostram que de todas as pessoas que se submetem a tratamento para se livrar das drogas, apenas 30% conseguem deixar a dependência; mas o acompanhamento dos casos mostra que é imprescindível o tratamento específico e muito esforço multiprofissional.

 O sistema de conselhos de psicologia acredita que a medida fere os direitos humanos e tenta destruir o movimento da reforma psiquiátrica. Defende que não basta reconhecer a insuficiência da rede de saúde na administração das necessidades dos que dependem de drogas, mas estabelecer o compromisso de ampliá-la com o fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS). Os especialistas acreditam que a opção pela internação em instituição terapêutica deve ser considerada e respeitada, mas desde que seja avaliada caso a caso – e jamais adotada como uma política pública.
 
“Trabalhadores, gestores e usuários do SUS mobilizaram-se a favor da defesa dos direitos humanos e do tratamento em serviços abertos e articulados com a Rede Antimanicomial. Fica claro que as comunidades terapêuticas não são aceitas pelos que constroem o SUS. Elas se constituem em serviços que se organizam a partir de pressupostos morais e religiosos que ainda persistem devido à correlação de forças nas diferentes instâncias dos legislativos, executivos e judiciários do nosso país”, afirma Marília Capponi. Outro estudo, feito pelo psiquiatra e coordenador do Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes (Proad) Dartiu Xavier da Silveira, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), mostra que apenas 2% dos pacientes internados contra a vontade têm sucesso no tratamento e 98% deles reincidem. “A porcentagem de fracassos é alta demais para que a medida seja adotada como política pública no enfrentamento do crack”, afirma Marília.

 Enquanto se discute a questão, dois usuários de crack são internados involuntariamente todos os dias em São Paulo. Entre pessoas dependentes dessa e de outras drogas e a pacientes psiquiátricos, o número de encaminhados para instituições terapêuticas contra a própria vontade nos últimos oito anos passa dos 32 mil, segundo dados do Ministério Público. Marília garante que as experiências relatadas por quem já passou pela internação forçada são desumanas. O Conselho Federal de Psicologia (CFP) tem proposto debates para discutir formas de enfrentamento do uso abusivo de álcool e drogas ilegais, argumentando que o problema tem raízes na desigualdade social e que apenas articulações em rede, da qual participem diversos setores e instituições sociais, podem ser eficazes para resolver a questão.

 CONFLITOS E DESAFIOS
 O movimento da reforma psiquiátrica é uma luta pelos direitos de pacientes psiquiátricos que denuncia a violência praticada nos manicômios e que propõe a construção de uma rede de serviços e estratégias comunitárias para o tratamento dessas pessoas. O movimento ganhou força na década de 70 no Brasil com a mobilização de profissionais da saúde mental e familiares de pacientes insatisfeitos com os métodos praticados na época. A nova política de saúde mental visa o tratamento em rede substitutiva, ou seja, em locais que o paciente possa frequentar, sem a necessidade de passar longos períodos internado, longe da convivência familiar e comunitária.

 O movimento de desconstrução do hospital psiquiátrico implica um processo político e social complexo, composto de diversos atores, instituições e forças de diferentes origens do qual o CRP participou efetivamente; por isso a instituição se posiciona contra as internações compulsórias e contra as comunidades terapêuticas, defendendo o tratamento em locais abertos ligados à rede antimanicomial. Para isso luta pela ampliação dos serviços oferecidos pelos Centros de Atenção Psicossocial (Caps), que é um trabalho em saúde mental aberto e comunitário do SUS e local de tratamento para pessoas que justifiquem sua permanência num dispositivo de atenção diária; nas unidades de acolhimento transitório, postos que funcionam como uma passagem breve para o dependente, que depois será encaminhado a serviços de reinserção social. Também são considerados necessários consultórios de rua que atendam à população em situação de risco e vulnerabilidade social, principalmente crianças e adolescentes usuários de álcool e outras drogas; bem como a oferta de leitos em hospital geral e equipes de saúde mental básica articuladas com as redes de urgência.

 Uma contrapartida à internação compulsória é o reforço de políticas públicas de tratamento em rede substitutiva, em convivência familiar e comunitária aos usuários de entorpecentes. “A dependência química é um fenômeno que deve ser discutido da perspectiva biopsicossocial; o tráfico, o desemprego e a violência pedem intervenções mais amplas e recursos de outras áreas como educação, habitação, trabalho, lazer e justiça”, ressalta Marília.
Luiz Loccoman é redator da Mente e Cérebro

domingo, 8 de abril de 2012

Feliz páscoa!

Páscoa é renascimento e renovação.
É tempo de celebrarmos a vida nova.
É tempo de permitirmos que o amor e os bons sentimentos renasçam principalmente em nossos corações e que tenhamos consciência dos nossos atos e pensamentos, buscando sempre o nosso melhor, para que isso se reflita em luz e amor em nossas vidas e a todos que nos cercam.
É tempo de deixar florescer em nossos corações a paz e a esperança de um mundo melhor através de Cristo Jesus!!!
 Desejo a todos uma páscoa de verdadeira renovação!

terça-feira, 13 de março de 2012

Quando a máscara vira rosto

Ter um ou mais personagens para encarar a pedreira do mundo é não só necessário, como uma questão de sobrevivência. Especialmente se você tiver uma sensibilidade extremada. Nascemos com uma pelezinha de bebê também na alma (e aqui não me refiro ao sentido religioso do termo) e precisamos protegê-la. Se há algo que os outros pressentem é o tamanho da nossa fragilidade. Por isso um chefe abusivo sempre sabe com quem pode gritar – e com quem é melhor não. Muita gente é como aqueles cães de caça farejando o flanco mais indefeso para atacar sua presa. Triste, triste. Mas mais triste é quando, em nome da necessidade de sobreviver, criamos um personagem que se mostra tão útil que acaba se confundindo com nossa derme mais profunda. Se criar personagens é preciso, despir-se deles constantemente é vital.

Como ando bastante por aí, tanto por razões profissionais quanto por gosto, observo muito as pessoas. E seus personagens. E, muitas vezes, tenho vontade de dizer, e em algumas delas, se há um grau de intimidade que me permita falar sem ofender, eu digo: “Pronto, você já fez o seu show. Agora, por favor, para jantar comigo enfia a máscara dentro da bolsa e relaxa”.
Ninguém se iluda de que é absolutamente verdadeiro o tempo todo, até porque somos muitas verdades ao mesmo tempo e seguidamente elas são contraditórias. Aquelas pessoas que parecem muito “autênticas” porque são extrovertidas, dizem coisas chocantes, se arriscam no estilo, estão muito bem cobertas por suas máscaras e morrem de medo de serem reveladas. A máscara do “autêntico”, “louco” ou “excêntrico” é uma das mais corriqueiras. Este tipo faz piada com o ponto fraco dos outros, dando gargalhadas e batendo nas costas da vítima e, quando alguém reclama, uma meia dúzia de amigos sai em sua defesa dizendo que “é o jeito dele”. Ahan.

Há o tipo “bonzinho” que, mesmo fazendo coisas horríveis e muito bem dissimuladas de vez em quando, é tão convincente no “foi sem querer” ou “ele jamais faria isso de propósito” que é imediatamente perdoado. Existe a “mulherzinha”, tão frágil que parece que vai quebrar a qualquer adjetivo mais eloquente. Esta manipula brilhantemente nossos mais primitivos instintos de proteção e, se você tem a coragem de dizer para ela tomar jeito e prescindir do diminutivo, imediatamente é você quem vira uma megera. E há o seu oposto, “a mulher alfa”, esculpida a navalhadas, que se arma de sapatos de bico fino, terninhos de grife e cortes de cabelo modernos, mas práticos, para arrasar meio mundo a bordo de sua armadura como se o melhor produto do feminismo fosse uma mulher se tornar um clichê de homem.

Enfim, são muitas as fantasias que vestimos para não sermos engolidos pelo mundo. Em geral não somos nem mesmo uma máscara definida, como as que acabei de expor apenas como recurso didático. Não somos Batman, Coringa, Gilda, Bambi ou Madre Tereza de Calcutá. Somos uma mistura de vários estereótipos. E, se é verdade que vestimos máscaras, também é verdade que não há um “eu” essencial – mas sim um “eu” fluido e incapturável, em constante movimento de mutação. E é nesta fluidez do eu, que não pode ser confundida com ausência de rosto, que residem nossas verdades mais profundas.

Acho que nossas máscaras começam a colar no nosso rosto ainda na infância. Uma mistura entre a necessidade de rotular que os pais em geral têm e o nosso desejo de satisfazê-los – ou de escapar da prisão que intuímos. Numa família com mais de um filho é mais fácil perceber. Um é o extrovertido, o outro é o tímido, outro ainda é o rebelde. Ou um é o estudioso que “não dá trabalho nenhum”, o outro é o vagabundo que ninguém sabe “por quem puxou”. E há o outro que tem – socorro! – “transtorno do déficit de atenção e hiperatividade”.

Os pais costumam botar um rótulo em cada filho, e a escola raramente tem competência para, em vez de reforçá-los, quebrá-los para que as crianças tenham outras possibilidades de expressar aquilo que são ou se tornar algo diferente do que foram levadas a ser. Uma pena, porque quebrar máscaras impingidas ainda na infância talvez seja a grande função de um educador. É muito difícil identificar se alguém “é assim” ou se tornou o que sempre ouviu que era. Agora, que as crianças são medicalizadas cada vez mais cedo e os rótulos ganharam status de “diagnóstico”, com a entrada do “especialista”, danou-se.

De fato, ninguém é – todos nós nos tornamos. E este “tornar-se” não é um caminho linear rumo a um rosto definitivo, que daria conta de nossa essência. Não há essência, o que existe é construção a partir de um conjunto de genes, de influências ambientais e experiências as mais variadas, de inscrição no momento histórico e de livre arbítrio – ainda que o livre arbítrio nunca seja tão livre assim. Embora possa ser assustador pensar que não há um “eu” essencial a ser alcançado, de fato é bastante libertador.
Somos uma constante invenção e reinvenção. E, tão importante quanto, desinvenção. Vale a pena não esquecer que sempre podemos nos desinventar. Ainda que carreguemos conosco tudo aquilo que vivemos, a mágica está em dar novos significados a antigas experiências e ter a sabedoria de nos livrarmos do que não é nosso, apenas foi impingido a nós como uma roupa de gosto duvidoso. Por isso, é bom tomarmos muito cuidado para não rotular os outros, como se nossas sentenças fossem imunes de preconceitos. E mais cuidado ainda se estes outros forem os nossos filhos, para que nossos rótulos não virem destino.

Acho que a melhor forma de não impingir máscaras aos outros é não impingi-las a nós mesmos. É bem fácil cair na tentação de transformar uma de nossas máscaras, aquela que nos parece mais eficaz no embate cotidiano, em nosso rosto definitivo. A máscara se torna tão usada que vai se fundindo primeiro à nossa pele, depois aos nossos ossos. Não é que vire ferro, como no clássico de Alexandre Dumas. O problema é que vira carne humana, mesmo. E aí, meu amigo, fica bem difícil de arrancá-la, porque passamos a acreditar que morreremos no processo. Ou que, por trás dela, não há um ou muitos rostos, mas um vazio infinito. Muita gente se agarra a seu personagem com medo de que, se a máscara for arrancada, descubram que não há nada lá. A máscara serviria, neste caso, para esconder a ausência de face.

Tento me livrar da tentação de virar personagem, uma máscara só, pela própria escrita. Parte do ímpeto que me move a inventar outras vozes narrativas para mim e outras bases para estabelecer o cotidiano se dá pelo meu temor de acabar gostando demais de alguma máscara conveniente. Tento me quebrar o tempo todo me jogando em desafios novos sem pensar muito nos riscos para me desgarrar da tentação das certezas sobre mim. Tem funcionado.

Além das mudanças mais profundas, que quem me acompanha nesta coluna está cansado de saber, há pequenas trocas de atitude que podem ser bem divertidas. Eu sempre fui disciplinadíssima, por exemplo. Estou numa luta feroz comigo mesma para deixar de ser. No último final de semana consegui um feito inédito em 45 anos de vida: dormi 16 horas seguidas. Almocei e ainda me entreguei a mais duas horas de sesta. Vou acabar esta coluna e tomar uma cerveja em comemoração a isso.

Sempre fui pontualíssima e, como todas as pessoas pontuais deste país, esperava muito. A ponto de o garçom ficar com pena e vir conversar comigo. Agora, com exceção dos compromissos de trabalho, resolvi deixar todo mundo me esperando. É uma delícia a cara de surpresa dos amigos. Chego e está todo mundo lá. Costumava comer chocolates aos poucos. E, quando ia comer, antecipando o gosto do bombom desmanchando na minha boca, alguém lá de casa já tinha dado cabo dele. E ainda me acusava: “Você faz isso de propósito, para me tentar. Por sua causa, acabo engordando”. Pronto, além de ficar sem chocolate, ainda era culpada pelo descontrole alheio. Mudei. Agora devoro compulsivamente meus chocolates e também o dos outros.

Não, não parecem mudanças muito salutares, eu sei. Mas elas cumprem, pelo menos por algum tempo, a função de me desconstruir tanto aos meus olhos como aos olhos dos outros, que cultivam a pretensão de que a gente seja a mesma até o final dos tempos. Um peso que, com licença, não pretendo arrastar por aí como se fosse meu.
Especialmente nas questões mais profundas, desmascarar a si mesmo é uma prática importante do cotidiano. E também um ato que precisa ser constantemente recriado. Nosso instinto de sobrevivência engendra armadilhas e argumentos bem convincentes para absorver este “duvidar de si mesmo”, que nos mantêm alertas com relação a nossos próprios ardis, e acaba por torná-lo mais um penduricalho que tem apenas um efeito placebo. O que o mercado faz com a contestação ao mercado, transformando-a em um produto, nós fazemos com relação à nossa porção contestadora, ao transformá-la em nossa versão de mercado. De tal forma que, um dia, sem perceber, paramos de tirar a maquiagem no fim da noite e dormimos acreditando que a máscara é a nossa cara.

Dias atrás encontrei um conhecido muito talentoso. É brilhante mais vezes do que a maioria. Arrasta com ele uma legião de fãs. E, principalmente, tem o que dizer porque é um grande criador. Fazia algum tempo que não o encontrava pessoalmente e fiquei estarrecida ao perceber que ele tinha virado um personagem, um bufão. Não mais um bufão como forma de contestar a hipocrisia, mas um bufão como forma de não ser contestado em sua hipocrisia.
Torço para que ele perceba a tempo que a máscara é uma versão bem pobre dele mesmo, já que não tenho intimidade para dizer a ele eu mesma. Enquanto isso, ao testemunhar a figura triste em que ele se transformou, tratei de aprimorar meus próprios alarmes antimáscaras. E escrevi esta coluna na esperança de que ela possa ajudar a acionar a sirene em cada leitor. As máscaras têm sua função, desde que não nos apeguemos a elas a ponto de fazer da mais confortável um rosto que agrada a todos – menos a nós mesmos.

 Texto:  Eliane Brum (Revista Época)

quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

A Felicidade...


Encontrei este texto da Eliane Brum e achei muito interessante. Temos muita dificuldade em lidar com o real e acabamos iludidos. A vida tem um movimento próprio, cicla, muda e transforma independente de nossas vontades. O que é felicidade para você? Como você vive sua vida? Boas reflexões!!!



“Nada é só bom”_
'A felicidade pode ser uma mercadoria ordinária, vendida e não entregue'..
*Eliane Brum*
Ao assistir ao novo filme de Arnaldo Jabor, “A Suprema Felicidade”, fiquei desesperada porque não tinha uma caneta e um bloquinho. Eu nunca ando sem uma caneta e um bloquinho. Mas assisti ao filme na abertura do Festival de Cinema do Rio, na quinta-feira (23/9), vestida para festa e com uma daquelas bolsas ridículas onde mal cabem o batom e o dinheiro do táxi. Um problema quando ouvimos uma frase realmente ótima e tudo o que encontramos para retê-la é um bastão com algum nome bizarro como “beijo fatal”. Tive de apelar para a minha péssima memória porque há no filme algumas frases imperdíveis. Daquele tipo essencial, tão boas que parecem simples e até óbvias e você quer morrer por nunca tê-las escrito. Estas frases unem as memórias do cineasta, que vão emergindo no filme do mesmo modo que as lembramos na vida – sem linearidade e só aparentemente descosturadas. Fiquei repetindo-as durante toda a sessão para mim mesma. Consegui que sobrevivessem razoavelmente ilesas. E a primeira delas é a do título desta coluna: “Nada é só bom”.
Virou meu mantra desde então. Vejo tanta gente sofrendo por aí, achando que sua vida está aquém do que deveria ser, porque tudo deveria ser só bom. Não sei quando nos enfiaram garganta abaixo esta ideia absurda de um estado de felicidade absoluta. Uma espécie de nirvana a ser alcançado em que nada mais nos perturbaria e que seríamos felizes para sempre. Na verdade, só há um jeito de isso acontecer: podemos ser felizes e mortos. Porque este estado imperturbável, imune à vida, só se alcança na morte.
Acho que a grande causa atual de infelicidade é a exigência da felicidade. É o deslocamento do lugar da felicidade para o centro da vida, como um fim a ser alcançado e a medida de uma existência que valha a pena. Se nos lembrarmos bem dos contos de fadas, o “e foram felizes para sempre” era exatamente o fim da história. Era quando o conto morria num ponto final porque não havia mais nada relevante para ser contado. Tudo o que interessava, o que nos hipnotizava e nos mantinha pedindo a nossos pais ou à professora ou a nós mesmos “de novo, conta de novo”, era o que vinha antes. O desejo, as turbulências, os avanços e recuos, os tropeços e os arrependimentos, os erros, o frio na barriga, a busca. Tudo aquilo que é a matéria da vida de todos. O que realmente importa.
Acho impressionante a quantidade de adultos pedindo um final feliz para as suas vidas, para suas histórias de amor, para o sucesso profissional. Não há nenhum mistério no final. Independentemente do que cada um acredita, o fato é que no final a vida como cada um a conhece acaba. Para viver, o que nos interessa não são os pontos finais, mas as vírgulas. Os acontecimentos do meio, o enredo entre o primeiro parágrafo e o último.
Escrevo pequenas histórias de ficção em um site de crônicas e alguns leitores se manifestam, por comentários ou por email, reclamando do desfecho. Eles me ensinam sobre esta exigência da felicidade por toda parte. Pedem, com todas as letras, “um final feliz”. Sentem-se traídos porque não dou isso a eles. Mas voltam na semana seguinte para se perturbarem com o desfecho do novo conto e reclamar mais uma vez. São adultos pedindo histórias da carochinha. E consumidores bem treinados para achar que tudo é produto de consumo.
Acham que ofereço a eles cachorro-quente. Por favor, um pouco mais de mostarda, duas salsichas, menos pimenta no molho. É muito interessante. Mas, de algum modo, algo nos meus “finais infelizes” os engata. Porque, em vez de me deixar para lá e ler algo mais “feliz”, voltam por alguma razão. Talvez descobrir se me rendi a tal da felicidade.
A ideia de felicidade como um fim em si mesmo encobre e desbota tanto a delicadeza quanto a grandeza do que vivemos hoje, faz com que olhemos para nossas pequenas conquistas, nossos amores nem sempre tão grandiloquentes, nosso trabalho às vezes chato, como se fosse pouco. Apenas porque nem a conquista nem o amor nem o trabalho é só bom. E há uma crença coletiva e alimentada pelo mundo do consumo afirmando que tudo deveria ser só bom. E se não é só bom é porque fracassamos.
Deixamos então de enxergar a beleza de nosso amor imperfeito, de nossa família imperfeita, de nosso trabalho imperfeito, de nosso corpo imperfeito, de nossos dentes imperfeitos e até de nossas taxas de colesterol imperfeitas. De nossos dias imperfeitos. Escolher como olhamos para nossa vida é um ato profundo de liberdade que temos descartado em troca de propaganda enganosa.
Tanta gente se esquece de viver o que está aí em troca desta mercadoria ordinária chamada de felicidade. Que, como toda mercadoria, tem essência de fumaça. Se tivesse de escolher entre esta felicidade de plástico que vendem por aí e a infelicidade, preferiria ser infeliz. Pelo menos, a infelicidade me faz buscar. E a felicidade absoluta é mortífera, ela mata o tempo presente.
Não tenho nenhum interesse por esta pergunta corriqueira: “Você é feliz?”. Acho uma questão irrelevante. O que me interessa perguntar a mim mesma – e pergunto a todos a quem entrevisto é: “Você deseja?”
Desejar é o contato permanente com o buraco, com a falta, com a impossibilidade de ser completo. Desejar é o que une o homem à sua vida. Une pela falta. Tem mais a ver com um estado permanente de insatisfação. Não a insatisfação que paralisa, aquela causada pela impossibilidade da felicidade absoluta; mas a insatisfação que nos coloca em movimento, carregando tudo o que somos numa busca permanente de sentido. Desejar é estar sempre no caminho, conscientes de que o fim não importa. O fim já está dado, o resto tudo é possibilidade.
No filme de Arnaldo Jabor, as melhores frases são de Noel, avô do personagem principal, vivido pelo enorme Marco Nanini. Numa ocasião ele diz ao neto: “Ninguém é feliz. Com sorte, a gente é alegre”. E completa: “A vida gosta de quem gosta dela”. Achei de uma simplicidade brilhante. É isso, afinal. É claro que há uns poucos momentos de felicidade, mas, como diz Noel em seguida, eles duram no máximo uns 10 minutos e se vão para sempre. 
Em vez de ficar perdendo tempo com finais felizes ou se perguntando sobre a felicidade ou invejando a suposta felicidade do vizinho ou se sentindo mal porque não é um personagem de comercial de margarina, vale mais a pena tratar de viver. Tratar de gostar da vida para que ela goste de você.
Aliás, nada me dá mais medo do que gente que vive como se estivesse num comercial de margarina. Se aceitarem um conselho: corram dessas vidas de photoshop. Elas não existem. Gente de verdade vive do jeito possível – e tenta lembrar que o possível não é pouco. Isso não significa se acomodar, pelo contrário. Mas abrir os olhos para a novidade do mundo na soma subtraída de nossos dias, desejar a vida que nos deseja.
É como em outra frase, esta dita por um comprador ambulante de coisas antigas num momento crucial do filme. Um delirante Noel, assustado com a proximidade da morte e disposto a retomar a alegria, sacode na rua o personagem de Emiliano Queiroz, gritando: “Hoje é sábado, hoje é sábado”. E o comprador de coisas que já perderam o sentido diz a frase antológica, digna de um frasista como Nelson Rodrigues: “O sábado é uma ilusão”.
Sim, o sábado é uma ilusão.
Então, lembre de viver também de segunda a sexta. 
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*Eliane Brum*
Jornalista, escritora e documentarista. Ganhou mais de 40 prêmios nacionais e internacionais de reportagem. É autora de Coluna Prestes – O Avesso da Lenda (Artes e Ofícios), A Vida Que Ninguém Vê (Arquipélago Editorial, Prêmio Jabuti 2007) e O Olho da Rua (Globo).

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

A personalidade do usuário de drogas

Vamos falar da personalidade do usuário de drogas. Esse é um tema complexo demais, porque não existe uma personalidade ou um modelo psicopatológico dos usuários de drogas.

Qualquer tipo de psicopatologia pode fazer uma evolução às drogas. isso nos coloca num panorama muito amplo, mas existe uma que tem predomínio na tendência ao uso das drogas, a patologia da depressão.


A depressão é uma doença muito importante nesse momento da história do mundo. o depressivo não é uma pessoa triste, chorando, culpando-se, desligada ou com aquela famosa figura do bonequinho com os lábios para baixo, olhos tristes e lágrimas. há pessoas que estão rindo todo o tempo, há que rir para não chorar. e há depressões mascaradas, que aparecem de forma somática. existem pessoas que estão muito bem aparentemente, mas tem um profundo processo depressivo, e esse estado pode expressar-se, por exemplo, em forma de gripes constantes ou trantornos gastrointestinais, ou as vezes complexos fenômenos psicossomáticos.


Odr Tulan nos Estados Unidos mostrou-nos como as crianças e os adolescentes não se deprimem como os adultos. as crianças pequenas, quando estão deprimidas, podem apresentar-se muito agitadas. cito exemplos de depressão equivalentes na criança: transtornos de sono e alimentação, anginas e gripes constantes. uma criança que corre todo o dia, brinca, está escondendo talvez um processo depressivo. 


O adolescente geralmente depois dos 15 ou 16 anos, começa a ter a depressão modelo adulto: antes, a depressão se expressa por trantornos de conduta, psicossomáticos , de sono, da motilidade; no estudo, alterações da concentração, da atenção. quantos adolescentes no colégio não estão indo mal? não se concentram, não estão indo bem. estão expressando um processo depressivo.


Em termos de transtornos de conduta, de hábitos, cito os rapazes agressivos, violentos, que criam atritos de todo tipo para fugir da depressão, que aliás é uma palavra que estamos acostumados a usar como um conceito quase normal. Uma pessoa que tem a morte de um ente querido, fracassa num exame, tem uma dificuldade econômica, não ficará triste? Observe a pobreza, observe as dificuldades pelas quais passamos, certas situações da vida, ficamos tristes e a tristeza é um componente normal da vida.


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Porém a tristeza da qual temos temor, aquela da qual fugimos, ou a tristeza da qual a pessoa utiliza drogas ou qualquer coisa para não sentir, é uma tristeza terrivel, é a tristeza na qual ela gosta de estar na "fossa". No fundo dessas vivências, estão as vivências de desintegração, da morte. É uma tristeza aonde a morte chega a um ponto que muda de sentido, e em vez de ser uma vivência que se regeita, passa a ser uma a qual a pessoa sente atração, chegando a um ponto em que a morte é a salvação, a única esperança, talvez de outra vida.


Para a lógica humana, é inacreditável pensar que existem pessoas que tem muito mais atração pela morte do que pela vida, e que só encontram uma solução na morte. isso do ponto de vista patológico.

Nós falamos em soluções psicótica, de fantasias psicóticas, de niveis psicóticos de funcionamento mental, mas para eles, estes são recursos extremos de salvação e de sobrevivência. Enesse ponto quero salientar, a mente humana é muito complexa e não é tudo lógico como nós vemos. Écomo um "iceberg", aquela montanha degelo que nós vemos, talvez de 1.000 metros, mas sob o mar talvez tenha 3.000 metros.


Nós vemos que uma pessoa está procurando soluções psicóticas e está sentindo que encontra um caminho em outra vida. e se produz uma sensação de perplexidade, de impotência, de angustia, quando agora, nesse mundo desumanizado, nesse mundo consumista. Adepressão é cada vez mais importante para os seres humanos. o mundo está sendo inadequado para a vida humana: a mecânização, a robotização do ser humano cada vez é maior e a vida cada vez tem menos valor.


Encontramos uma faixa não muito importante da população - especialmente de jovens que aprendem de nós, porque ninguem é original em sua patologia, como eu sempre digo. Jovens que se criam num mundo onde a morte e a destruição é mais importante do que a vida, vão adotando condutas nas quais a morte, e não a vida, prevalece. e tudo isto, pela lógica formal, não nos "entra" como é possível que jovens, crianças lindíssimas, adolescentes lindíssimos, procurem morrer, ao invés de viver?


Essas crises de valores totais influem sobre a psicopatologia humana, e as pessoas mais vulneráveis são aquelas que tem fundo depressivo. Equais são aquelas que tem fundo depressivo? As que em suas primeiras épocas de vida sofreram carências de vínculo humano, amorosos ou abandonos. Aorigem da depressão é o abandono macro ou macroscópio. Afalta de amor e a separação precoce da família são os núcleos geradores desse tipo de estrutura humana que depois vão se misturando com outras formas de funcionamento mental, mas que significam um potencial de fragilidade ou vulnerabilidade muito grande.


Sabemos muito bem hoje, que uma criança para se desenvolver, precisa de constância de objetos de amor, de tempo e dedicação, precisa de palavras, de ser tocada, de ser querida, e devagarinho ser ajudada a se desenvolver e se liberar, se indempendizar. nesse momento da da sociedade, de crises humanas, econômicas e de valores, quantas poucas crianças da nossa américa podem ter o luxo de ter pai, mãe, uma casa, uma família e se desenvolver? Quantos milhões de crianças ficam sozinhas, a mãe não tem tempo de atende-las, o pai está trabalhando, lutando pela sobrevivência, ou não existe? OBrasil tem um problema de abandono infantil muito grande. Temos que levar em conta todos esses fatores, porque agora vai levar 10 ou 20 anos de trabalho muito duro para tratar de mudar esse clima que foi criado e esse terreno fértil que estamos tendo ao desenvolvimento da droga.


Quando o dr Harllow apresentou seus trabalhos com macacos, ele separou três grupos de macaquinhos. Oprimeiro grupo, o fez criar por uma mãe macaca. Osegundo, o fez criar por uma mãe macaca que era feita de arame coberta de pele, era um brinquedo, e colocou mamadeira nos peitos para dar de mamar aos macaquinhos, que brincavam, iam e voltavam, subiam na mãe. O terceiro grupo o fez criar por uma mãe só de arame. Era uma figura muito estranha com mamadeira nos peitos.
Os macaquinhos criados por por sua mãe de verdade se desenvolveram bem. Se correntes elétricas, luzes que assustavam, barulhos fortes passavam na caixa onde eles estavam, os macaquinhos corriam, ficavam com a mãe, voltavam a experimentar o que era aquilo. Desenvolveram-se.

Aqueles criados pela mãe boneca, com pele, que tinha cheiro de macaco porque os macaquinhos urinavam e defecavam sobre sobre ela iam e voltavam e quando encontravam dificuldades na vida, alguns conseguiam sair da situação se não era muito difícil, outros fracassavam. Mas os macaquinhos criados pela pela mãe de arame eram verdadeiros esquizofrênicos, com depressão profunda, incapacidade de enfrentar as dificuldades da vida e morriam quase sem se defender se a coisa era muito difícil para eles.

Moral da história: o contato humano na formação de uma criança exige dedicação. Nenhum animal da escala biológica abandona seus filhos, como faz o animal humano. Oque nós chamamos civilização tem esquecido que somos seres biológicos.


E agora vou integrar todos esses pontos que estive tratando. Oponto central para compreender a ideologia das drogas é que o ser humano não pode aceitar sua finitude, não pode aceitar que seres como nós, que podemos pensar e que podemos fazer coisas tão fantasticas como fazemos, temos que morrer como todos os seres biológicos. Nenhuma planta, nenhum animal vai questionar quem nasce, cresce, se reproduz e morre, mas o ser humano de todas as épocas rejeitou ter que morrer, e nós inventamos tudo o possível para não ter que morrer ou para ter a ilusão de onipotência. Desde a humanidade da qual temos notícia, sempre o homem encontrou formas de fazer uma "armadilha" para a morte. E aquelas pessoas que tem mais vulnerabilidade à morte são as que mais tratam de fugir dela. Eessas pessoas que tem fases depressivas, que tiveram carência de amor e de afeto, que foram abandonadas precocemente, são as mais vulneráveis.


Por isso, professores, médicos, pediatras, aqueles que trabalham com crianças podem começar a detectar desde criancinhas as pessoas com muitas carências, que serão as mais vulneráveis as drogas. Agora, há que se aclarar um ponto. Muitas vezes temos pessoas que não tem um problema sosioeconômico grave, que tem uma condição econômica e social que permite a dedicação aos filhos e tudo isso, mas a depressão não tem a ver só com o econômico e o sociopolítico, tem a ver com a natureza humana. Por exemplo nos grupos de alta renda econômica também acontece o abandono dos filhos, a mãe, em vez de ter que ir trabalhar, tem que ir a nova york fazer compras, para tomar um exemplo extremamente exagerado, ou deixar as crianças em mãos de babás, de outras pessoas ou das próprias avós. Os seres humanos se esqueceram de que não se pode fazer isso.


Todos sabemos que houve uma moda, durante anos, de esquecer a lactação, que tem a importância não só de dar leite, proteínas, substâncias imunológicamente importantes e, sim, de transmitir cultura, amor à vida. uma mãe que está amamentandoe gosta disto, está transmitindo à criança amor á vida. Uma mãe triste, que tem que estar fumando, falando ao telefone, ligando a televisão, em suma, vivendo uma vida que não tolera, por mais que esteja dando de mamar, está transmitindo uma cultura de não-amor à vida. E lutar pelo amor à vida não é só um fato parcial. Avulnerabilidade à depressão tem se convertido num grande fenômeno muito difundido em todas as estruturas psicopatológicas. Além disso, os seres humanos, para viver uma vida cada vez mais robotizada, procuram combustíveis especiais e a sociedade descobriu que se pode lucrar com as falências humanas.


Asociedade tem compreendido que estamos vivendo num momento muito fraco, então. as indústrias estão oferecendo todo tipo de substâncias. "aguente essa barra e não se modifique". Toda atitude é consumista, e nesse sentido, estamos querendo curar drogadição com drogadição. Por isso eu falo das adições receituadas. Tomemos por exemplo os sedativos.

Adepressão é a enfermidade básica mais importante da sociedade atual. Oque se tem feito para isso ? As indústrias farmacológicas tem oferecido uma grande quantidade de medicamento, que em 80% são profundamente aditivos. Então para curarmos a depressão vamos nos tornar todos toxicômanos. Enão podemos reagir, pois tudo isso movimenta capitais fantásticos. Por que essas indústrias farmacêuticas tem dúzias de milhares de técnicos trabalhando nisso. Eentão, o que acontece? Nós temos uma grande parte da população que se droga com drogas lícitas: álcool, tabaco, benzodiazepinas, uma quantidade de medicamentos e sedativos muitos difundidos. Eoutra quantidade, que são aqueles que procuram as drogas ilegais: este tem a ver com conflitos de gerações, tem a ver com a qualidade de drogas que se oferece e há de se ver que existe uma faixa da população que precisa de coisas muitos fortes e necessita criar alguma forma de sobreviver dentro dessa crise mundial de valores.


Dentro da psicopatologia humana, temos que a depressão é a base principal, mas temos outra patologia, que quando encontra esta situação, se expressa de forma diferente. é a patologia dos transtornos de conduta. Edentro da patologia dos transtornos da conduta temos o componente psicopático. Os psicopatas são os que lucram e são aqueles que ficam mais doentes dentro de toda esta história. vamos ver como é isso isto.

No meio da juventude, uma grande defesa para essa depressão de abandono é a estrutura impulsiva, os recursos impulsivos, os recursos psicopáticos, a personalidade de ação, como uma forma de não sentir a depressão. Esses são os personagens mais difícies da escola, da rua, e com os quais geralmente a polícia tem que lidar. São pessoas muito fracas, que em vez de desenvolverem o pensamento, desenvolvem a ação, em vez de desenvolverem a capacidade refletir frente aos fenômenos, atuam a frente a estes. São pessoas que tem de fundo uma grande depressão, mas apredem a se defender com a ação. E este tipo de pessoas, além de serem grandes consumidores de drogas, são as que também descobrem que se pode lucrar com isto são as que formam parte das máfias e toda essa criminalidade que entra no sistema das drogas, porque são pessoas que tem um modo de funcionar onde a moral não entra como um regulamento de sua atuação. São as pessoas que não conhecem o `não', que não tem limites,que não sabem que existem tabus, que não aprederam os 10 madamentos e não sabem que não se pode matar. No código deles, a ação, o desejo e o impulso são prioritários. Eesse tipo de pessoa, para sobreviver, além de consumir, entra nesse negócio, e estamos permitindo que eles se multipliquem cada vez mais.


Eu disse que ia falar de uma psiquiatria dinâmica, e ela mostra que os componentes psicopáticos podem existir em todos os tipos de personalidade mais integradas. Em uma sociedade onde os valores morais estão em crise, pessoas de nível socioeconômicos, cultural, e sociopolíticos altos, tem componentes psicopáticos. Poderosas indústrias estão lucrando ao colocar a população em alto risco de saúde. As leis feitas para nos proteger são vulneráveis a esses tipos de situações. Apopulação também exige soluções mágicas às suas ansiedades. Estamos entre a produção de medicamentos psicotóxicos, e uma população que os demanda. todo mundo tem pouco tempo. Eo médico tem maus salários, trabalham em instituições que exigem receber 50, 60, até 100 clientes por dia. Émuito fácil ver como o grupo psicopata de mafiosos começou a lucrar com as debilidades humanas desde sempre e foi se acrescentado heroína, cocaína, maconha. todo esse "negócio' é deles.


Oresultado é que as indústrias farmacêuticas tornaram-se um grande nogócio dentro da nossa sociedade, e agora tudo começa a se misturar. Basta pegar o jornal de hoje, e ler que a policia dos estados unidos, em colaboração com ingleses e franceses, descobrem que a lavagem do dinheiro das máfias criam bancos. As máfias são os grandes financistas do mundo.


Numa aula de psicopatologia e da personalidade do usuário, não podemos deixar de ver que a oferta das drogas caminha próximo aos bancos que estão manejando o nosso dinheiro e influindo em nossas vidas. Cada vez mais, temos pessoas mais imaturas, com menos amor, com menos tempo de formação, que são seres vulneráveis. Adepressão é a enfermidade básica mais importante da psicopatologia humana. Ela requer, além de antidepressivos e estudos biológicos, tempo, amor e dedicação. Otempo para o amor é cada vez menor, não temos tempo para ele.

Com estas palavras, estou tratando de ligar o que é psicopatologia, um fenômeno muito mais abrangente, e que a vulnerabilidade às drogas atinge qualquer psicopatologia. Porque uma pessoa pode se estruturar com fobias ou com traços de uma neurose obsessiva, mas isso não quer dizer que no fundo não seja uma pessoa depressiva, que não tenha pontos fracos. E que em algum momento tenha potenciais de ação e, num momento que não está bem, que está fraca, surge uma sociedade que lhe oferece espinafre, como o popeye.


Quando nós éramos crianças, e assistíamos aos desenhos animados, víamos que o popeye, frente às dificuldades da vida, comia espinafre. Era um bom elemento pedagógico para mostrar às crianças que para crescer bem forte voce tem que ter uma boa alimentação . No entando, simbolicamente dava a idéia de que há substâncias que deixam a gente forte instantaneamente. e o resultado é que há uma propaganda maciça a favor de substâncias que vão nos deixar cada vez mais fortes, a qualquer momento.


Nós, por defendermos uma ideologia de liberdade, de defesa dos interesses privados e do nosso modo de pensar, permanentemente estamos ensinando que cigarro, álcool, pílulas, remédios, bolinhas de todo tipo servem para curar as fraquezas humanas. As pessoas, quando não encontram resultado com isso, fazem uso de outras substâncias. Acocaína está triunfando nessa área do mundo, e por que ? Porque aparece como a droga euforizante mais fantástica que se descobriu. Eos interesses econômicos que estão por trás dela fez com que a oferecesse em diferentes formas. Assim como uma determinada substância médica, se oferece em xarope, comprimidos, gotas e injeções, a cocaína se oferece em pasta de cocaína, cocaína de base livre, cocaína de cloroidrato, crack. Eles têm técnicos de alto conhecimento químico, os chamado `drug-designers', que lhes preparam modificação da cocaína para oferecer ao mercado este grande antidepressivo.


Acocaína se oferece como a substância que ó espinafre do momento. Eela triunfou porque cria um estado de exaltação. Eu a chamo a droga da inflação, pois na época de inflação ninguém poupa. Poupar é uma doideira. Tem que ser bobo para poupar quando o dinheiro perde o valor a cada momento. Por exemplo, quando eu era criança, na escola tínhamos caderneta de poupança. agora, na escola deve-se ensinar a especular com dólares, com taxas de juros, coisas que sirvam à criança de hoje. Não podemos ensinar a poupar. Então, há essa mudança de valores, vejam como é interessante a cocaína.


Oorganismo humano, como todo o fenômeno biológico de reciclagem, a medida de que produza neurotransmissores, poupa noradrenalina. Aadrenalina e a dopamina são neurotransmissores para se excitar, viver, ter energia, para ter alegria. Oorganismo as produz e poupa. Odepressivo tem falta disso. Acocaína oferece a produção maciça, mas sabe qual é o segredo do que acontece ao organismo com a cocaína? Corta a poupança, inibe a recapitalização. Oorganismo produz, e não poupa, e se chega ao esgotamento.

Adepressão pós-cocaína, que é o que acontece em nossas economias - de inflação e depois a depressão. Apobreza - produtos difícies de manejarmos na nossa época.


Quero fechar este artigo mostrando que psicopatologia e sociedade estão diretamente ligadas. Eque, para resolver esse problema, é preciso encontros interdisciplinares, leis, lutas de todos os grupos humanos. Precisamos parar de ficar procurando bodes expiatórios para quem é o culpado de tudo o que está nos acontecendo. Oque esta acontecendo é produto de que nós, seres humanos, esquecemos que somos seres biológicos, que temos limites e que formamos parte de um todo, onde o ar, a água, as plantas, os animais, tudo está ligado. Ese levarmos em conta tudo isto e fizermos uma luta pela vida, o problema das drogas, que é o problema da destrutividade, vai ser vencido.



Autor : DR.EDUARDO KALINA , PSIQUIATRA
"1O. ENCONTRO ESTADUAL DROGAS: PREVENÇÃO HOJE"