Dia
desses peguei-me refletindo sobre as relações familiares no que diz respeito à
interação entre seus membros. Elegi a palavra que me proporcionou alguns
questionamentos, de forte significado e que me foi bastante instigadora - ADOÇÃO.
No
nosso dicionário de língua portuguesa, essa palavra tem o seguinte significado:
“Tomar por filho, escolher, seguir e perfilhar. Aceitação voluntária e legal de
uma criança como filho, perfilhação”.
Aceitar
um filho legalmente talvez seja a parte menos preocupante de uma adoção, quando
comparada à adoção emocional, que é algo bem mais complexo.
Quando um casal deseja formar uma família,
começa a planejar como será a inserção de um novo membro no sistema familiar.
Inicia-se a gestação emocional desse indivíduo, dando forma e lugar no
imaginário para essa criança antes mesmo dela nascer. O casal passa a idealizar
esse novo membro, imaginando como ela será, com quem irá se parecer, que nome
receberá , sonhando sonhos para essa criança. Filhos precisam ser sonhados,
precisam de um lugar no emocional de seus pais. E quando essa criança chega,
ocorre a “prova de realidade”. O casal faz sua estreia na função de pais e
busca comprovar se o bebê real corresponde àquele idealizado. Tem que lidar com
suas impotências e limitações na relação com filho e vivenciar a realidade de
alguém que chora, que faz cocô, que regurgita ou que pode até ter alguma
deficiência. Tudo na vida tem dois lados e aqui também não seria diferente.
Uma
pessoa pode nascer em uma família, possuir relação de consanguinidade e mesmo
assim não se sentir adotada ou incluída como membro nessa família. Que situação
angustiante essa: saber que está em uma família, mas não se sentir pertencente.
O mesmo pode ocorrer com um indivíduo que não tem laço de sangue com sua
própria família.
No
caso de uma família que faz uma adoção judicial, isso tudo ainda é mais
abrupto, pois a criança quando chega pega uma família de surpresa e que
precisará se reorganizar rapidamente para incluir esse novo membro. Mas se a
família acolhe, com amor, aquele que chega com suas características próprias e
com suas histórias ,a relação se constrói e uma nova história passa a ser
escrita na vida de todos. É um ato de
aceitação do outro, independentemente de ter em sua origem o sangue e a
natureza geracional dos pais que optaram por criar essa criança.
Se
não integramos o lado bom e difícil da maternidade/paternidade, ficamos
dissociados, vendo a vida por apenas um ponto de vista. Ou vai ser tudo muito
belo, ou vai ser tudo muito difícil e pesado. Ao integrarmos, podemos ver os
dois lados de forma mais equilibrada, aceitando que ambos existem e que se
complementam. É preciso ter coerência se quisermos ser pais adotantes,
respondendo por essa escolha mesmo que seja difícil.
Vemos,
muitas vezes, pais que tentam exercer a paternidade, mas não se comprometendo
com essa função. Querem o título de pais, mas não querem assumir o trabalho e
as responsabilidades inerentes.
Se
a expectativa for muito alta em torno desse filho, e o casal se deparar com uma
realidade completamente diferente da idealizada, poderá sentir-se frustrado e
impotente. Por outo lado, poderá utilizar-se de toda dificuldade como
oportunidade de crescimento em família. Temos o direito de idealizar, sonhar e
criar expectativas, o que também é saudável. O que não é saudável é agarrarmos
nestas expectativas, brigando com a vida
querendo que tudo seja à nossa maneira. Nem sempre as coisas saem de acordo com
o projetado (aliás, na maior parte das vezes), a vida é feita de inesperados.
Nosso grande desafio, enquanto seres humanos, talvez seja flexibilizar,
buscando compreender os propósitos da vida com resiliência e sabedoria. O ser
humano tende a ser muito vaidoso. Gosta de ter a sensação de que tem controle
das situações. No entanto, a vida é mestre em anunciar que podemos até
planejar, mas jamais controlar.
Se
não flexibilizo, se não me acolho como ser humano no exercício da maternidade/
paternidade, dificilmente conseguirei adotar aquele que tomei por filho.
Estamos vivendo em um tempo de crianças órfãs de pais vivos. Legalmente essas
crianças têm pais, mas emocionalmente não estão sendo adotadas, acolhidas e
cuidadas por eles.
Acompanho
famílias em meu consultório e venho refletindo e perguntando sempre: a família
que busca ajuda conseguiu adotar seus membros? É uma família que acolhe falhas,
limitações e dificuldades? É uma família que aceita as particularidades de cada
membro? Qual o lugar do filho na vida familiar? Queriam ter filhos com qual
finalidade?
Adotar
significa cuidar, investir afetivamente na vida de alguém. É cuidar da relação,
é dar continente, amando, dando suporte em todos os níveis, tomando para si a
responsabilidade de formar alguém na vida, digno, real, com caráter e inteiro.
Crianças
que não foram adotadas por seus pais, com certeza irão sofrer sequelas desse
abandono. Serão pessoas inseguras, com baixa autoestima, carentes, infantis,
adultos despreparados para a vida, desorganizados emocionalmente.
Quando
uma pessoa se sente adotada, sente-se pertencendo, incluída na família e mais
confortável para viver no mundo que a cerca. Terá condições emocionais muito
mais favoráveis para viver e terá menos chances de adoecimento físico e
psíquico.
Cabe
a nós como pais uma reflexão: que tipo de pais estamos sendo para nossos
filhos? Eu os vejo? Eu os reconheço? Eu os adoto?
Para
reflexão cito uma frase de Olavo Bilac
"Uma criança é como o cristal e como a cera. Qualquer
choque, por mais brando, a abala e comove, e a faz vibrar de molécula em
molécula, de átomo em átomo; e qualquer impressão, boa ou má, nela se grava de
modo profundo e indelével."
Fernanda Seabra – CRP 04317 – Psicóloga do Espaço Família e Humanização e coordenadora do
Nass(Núcleo de atendimento social sistêmico).
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